segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

REPARO QUE REPARAM


REPARO QUE REPARAM


Hoje, um dia normal. Aqueles dias azedos. Você “pega” um ônibus lotado, olha para o lado e vê uma senhora com um guarda-chuva. E pensa: será que vai chover?

Corro o olho atentamente para o relógio eletrônico, da praça, que além de informar as horas, fornece a temperatura, que no momento é 27° graus. Isso não é uma beleza?

E cada vez mais entra gente dentro do ônibus.

Fico escutando o meu “radinho” para amenizar a situação. Tento me desconectar, fugir do calor. As janelas estão abertas, está abafado, meus pensamentos também.

Tento me concentrar, mas reparo que as pessoas reparam-se. Reflito intensamente, e disparo um reparo através das lentes dos meus óculos escuro. Está abafado, e continuo reparando.

Reparo-me, faço analogias estranhas, sem sentido nenhum. Contextualizo a estética das pessoas, com a direção do olhar que as mesmas metralham. Um cabelo diferente, muitos livros nas mãos, são sinais de reparo fortíssimos dentro de um ônibus. Ainda bem que estou de pé. Reparo que entra uma senhora bem velhinha com um guarda-chuva. E agora? Quem vai sair de seu lugar, para a senhora sentar?

A senhora "passa" a roleta, e está aproximando-se de mim, e eu ali "esmagado" pelo bafo do calor. E as pessoas continuavam reparando entre si.

Penso no que as pessoas pensam sobre mim: Pra onde este "loco" vai? O que ele faz da vida? Será que estuda? Pois está com uma mochila! Se estuda, estuda o quê? E a velhinha ainda de pé.

Sinto que tem algumas pessoas que fogem desse "jogo de reparo". Elas se tele-transportam para dentro de um livro, dentro de um pensamento, ao olhar penetrante através do vidro do ônibus.

Começo a rir por dentro, pois ninguém sabe que estou sem almoço, que estou sem grana, que estou com sono, que estou sem água em casa, que estou reparando todo muito. Convenço-me que é melhor parar de rir, pois, vá que descubram. Não quero que ninguém repare nesses fatos, da minha singela vida. Quero sair ganhador desse "jogo".

Está chegando à hora de descer, já avisto a minha "parada". Peço licença para a senhora, que ainda está de pé, cheia de sacolas em uma mão, na outra um belo guarda-chuva (aqueles que demoram um pouco mais para quebrar). Ela olha para mim, e abre uma brecha, que mal passa meu braço.

Desço. Desculpo-me pelas esbarradas que dou na trajetória de saída. Caminho e reflito: "Tenho que relatar isso". "Um dia azedo, torna-se em um dia engraçado". "E o pior, num pegar de ônibus".

Sigo caminhando sob o sol, ameaçando chuva, e reparo que cabelos estranhos devem ser sim reparados, e a falta de cabelo também. Acho que me reparam, pela falta deles.










Um comentário:

  1. Eu tenho um carinho especial por este texto, pois foi o primeiro que li. Me encantou tu descrever tão bem todos estes 'reparos'. Tu dança muito bem com as palavras.

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